PARTES I A IV
II. A RECOMPENSA E A PROVAÇÃO
De volta à vida, João procurou o vizinho para pedir perdão — mas soube que o homem havia falecido e, em testamento, deixara-lhe o cavalo roubado. Chorou de gratidão, acreditando ver ali um sinal divino. João agradece a Deus por tal benção em sua nova vida e decide ir trabalhar todos os dias com o cavalo como seu meio de transporte abençoado pelo Senhor.
Os anos passaram, e João se casou com Ecoa, mulher de fé e ternura. Tiveram duas filhas gêmeas: Angelita e Ariel, que eram, para ele, reflexos do próprio céu divinal. Assemelha em sua memória, tal felicidade atribuída, por ser um homem apenas do bem, e por ter pagado sua culpa cem por cento, e, portanto, ser também um homem livre do mal.
Mas como toda alma justa é provada, o infortúnio bateu à porta. Angelita, a mais doce das filhas, adoeceu de um câncer raro. Os médicos pediram urgência no tratamento, e João, sem recursos, entregou-se às orações. João acredita no poder divino, e com muita fé, sabe que o Senhor proverá tudo o que lhe for necessário.
Sete dias depois, Ecoa veio até ele com os olhos marejados e o coração em chamas: havia descoberto uma herança do pai. Com aquele dinheiro, poderiam pagar o tratamento e salvar a filha.
O milagre se fez, e Angelita sobreviveu. O povo da vila agradeceu em preces, e João ergueu os olhos aos céus mais uma vez, crente de que a fé fora recompensada.
III. O PECADO DO JUSTO
Os anos correram novamente serenos. Angelita se recuperava, e João fora promovido na mineradora.
Certa tarde, João já muito feliz e grato com a evolução do tratamento da pequena Angelita, teve a dádiva de receber uma promoção em seu trabalho. tomado pela alegria, decidiu voltar mais cedo para casa, cavalgando seu fiel Valentim, para partilhar o vinho do amor com sua amada esposa. Iria leva-la a melhor cantina da cidade, a mesma a qual brindaram a celebração de seu casamento.
Porém, ao abrir a porta, o trovão caiu sobre sua alma: viu sua amada esposa entre os lençóis com outro homem — Onésio, seu amigo de cela, aquele que o havia conduzido à fé e às Escrituras Sagradas.
Quando João viu o sujeito por cima de sua esposa, exatamente no ato crucial da copulação, seu coração se rompeu. A dor se fez raiva, e a raiva, justiça. Sem palavra alguma, arrastou Onésio para fora, amarrou-o pelas pernas à sela de Valentim e cavalgou estrada afora, arrastando o traidor sobre o pó da terra.
Ao passar diante da igreja, fez o sinal da cruz — um gesto de fé pelo pecador que carrega.
Após longas horas cavalgando, ao escurecer do dia, quando a lua cheia já dava o ar de sua graça, João avistou um rio e decidiu parar. Tanto ele como Valentin estavam exaustos, e seu equino sentia-se ofegante, com muita sede.
Quando enfim parou, ao cair da noite, Onésio não estava mais. A corda balançava vazia presa a cela. Exausto e confuso, João sentou-se à beira do rio. Havia ele novamente causado o mal? Seria outra vez culpado e preso por tal ato cometido?
Todavia, não se sentia culpado. O sentimento que pairava em sua alma era de alívio e justiça, apesar de seus pensamentos opressores estarem acusando-o ferozmente por seus atos acometidos. Decidiu então fazer uma prece. Suplicou a Deus que olhasse por ele, que fosse justo em seu julgamento e destino que viriam a seguir. Em sua oração, lembrou que é importante perdoar as pessoas que praticam o mal, e assim, mentalizou a imagem de Onésio e sua esposa, perdoando-os em seu coração. Após sua fervorosa devoção, João avistou uma estrela cadente e fez um pedido.
IV. O HOMEM HONRADO
Na manhã seguinte, João decidiu entregar-se à polícia. Chegou à entrada da cidade e avistou faixas. Seu nome estava escrito em letras douradas: “Herói de Porto dos Milagres”. Em seguida, vieram os aplausos daqueles que o viam chegando.
Atônito, João foi até o gabinete do prefeito, que prontamente o estava esperando. Recebeu uma medalha de ouro e um cheque com uma quantia exorbitante como recompensa por seu heroico ato.
O prefeito então lhe revelou a verdade. Onésio havia confessado seu crime: extorquia há anos o dinheiro da igreja. E João, sem saber, tornara-se instrumento divino da justiça.
Ele apenas agradeceu, sorriu desconsertadamente para os holofotes e fotos que foram tiradas no gabinete, e em seguida foi para casa. Sua esposa e filhas o receberam emocionadas com beijos e abraços, parabenizando-o por tal feito magnânimo. João olhou para Ecoa com olhos de indagação. Ela apenas sorria e disse que ele precisava descansar, pois no dia seguinte, seria um dia muito importante na igreja.
Era domingo. A igreja estava lotada, como sempre. Após a leitura, o pastor chamou-o ao altar:
— João — disse o pastor —, o Senhor usou tuas mãos como espada do bem. Mostraste que há justiça diante das trevas. Agradecemos por ter sido um servo do senhor e agido com tamanha nobreza em seu coração. É através das atitudes de um homem santo, que reconhecemos se ele é capaz de realizar o bem ou o mal. E você, com sua benevolência e tamanho ato de coragem, mostrou a todos que é um homem bom, um exemplo a ser seguido pelos demais!”
Dando sequência, o pastor continuou;
— Onésio estava extorquindo nossos recursos há anos. Não tínhamos tal conhecimento. Ontem realizastes um ato homérico. Quando passou em frente à igreja arrastando-o em seu cavalo, e deixando-o na saída da cidade, isso foi um milagre do Senhor realizado através de você, oh abençoado João! Assim que o largou na saída do município, Onésio, completamente arrependido, foi se arrastando até conseguir chegar ao posto de gasolina. Ligou para sua esposa, pediu que ela informasse a polícia de seu paradeiro, e então confessou o crime, entregando-se à polícia. E agora ele está preso. Irá pagar a pena por tal crime de extorsão. Quanto à sua esposa, ela será também condecorada junto a você, como heróis de nossa cidade. Uma placa será colocada na praça principal com o nome de vocês, como casal exemplo de Porto dos Milagres”.
